sábado, 9 de outubro de 2010

CANÇÃO DESSE RUMOR


Canção desse Rumor
(Lya Luft)

Quem - estando ausente - entra no quarto
Quem deita ao lado meu, quem passa
No meu coração seus lábios quentes, quem
Desperta em mim as feras todas
Quem me rasga e cura
Quem me atrai?

Quem murmura na treva e acende estrelas
Quem me leva em marés de sono e riso
Quem invade meu dia após a noite
Quem vem – estando ausente -
E nunca vai?

TRAZE-ME


Traze-me
(Cecília Meireles)

Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.

Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.

Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
-Vê que nem te digo - esperança!
-Vê que nem sequer sonho - amor!

E O RESTO É SILÊNCIO


E o resto é silêncio....
(J.G. de Araújo Jorge)

E então ficamos os dois em silêncio, tão quietos
como dois pássaros na sombra, recolhidos
ao mesmo ninho,
como dois caminhos na noite, dois caminhos
que se juntam
num mesmo caminho...

Já não ouso....já não coras...
E o silêncio é tão nosso, e a quietude tamanha
que qualquer palavra bateria estranha
como um viajante, altas horas...

Nada há mais a dizer, depois que as próprias mãos
silenciaram seus carinhos...
Estamos um no outro
como se estivéssemos sozinhos....

SONETO


Soneto (Chico Buarque)

Por que me descobriste no abandono
Com que tortura me arrancaste um beijo
Por que me incendiaste de desejo
Quando eu estava bem, morta de sono

Com que mentira abriste meu segredo
De que romance antigo me roubaste
Com que raio de luz me iluminaste
Quando eu estava bem, morta de medo

Por que não me deixaste adormecida
E me indicaste o mar, com que navio
E me deixaste só, com que saída
 
Por que desceste ao meu porão sombrio
Com que direito me ensinaste a vida
Quando eu estava bem, morta de frio.




sexta-feira, 8 de outubro de 2010

DESEJOS VÃOS


Desejos Vãos
(Florbela Espanca)

Eu queria ser o mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a pedra que não pensa
A pedra do caminho, rude e forte!

 

Eu queria ser o sol, a luz intensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a árvore tosca e tensa
que ri do mundo vão e até da morte!

 

Mas o mar também chora de tristeza...
as árvores também, como quem reza,
Abrem, aos céus, os braços, como um crente!

 

E o sol altivo e forte, ao fim do dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as pedras... Essas... Pisa-as toda a gente!...

FOLHAS DE ROSA


FOLHAS DE ROSA
(Florbela Espanca)

Todas as prendas que me deste, um dia,
Guardei-as, meu encanto, quase a medo,
E quando a noite espreita o pôr-do-sol,
Eu vou falar com elas em segredo...

E falo-lhes d’amores e de ilusões,
Choro e rio com elas, mansamente...
Pouco a pouco o perfume do outrora
Flutua em volta delas, docemente...

Pelo copinho de cristal e prata
Bebo uma saudade estranha e vaga,
Uma saudade imensa e infinita
Que, triste, me deslumbra e m’embriaga

O espelho de prata cinzelada,
A doce oferta que eu amava tanto,
Que reflectia outrora tantos risos,
E agora reflecte apenas pranto.

E o colar de pedras preciosas,
De lágrimas e estrelas constelado,
Resumem em seus brilhos o que tenho
De vago e de feliz no meu passado...

Mas de todas as prendas, a mais rara,
Aquela que mais fala à fantasia,
São as folhas daquela rosa branca
Que a meus pés desfolhaste, aquele dia...